domingo, 17 de fevereiro de 2008

38ª aula - 18 de Fevereiro de 2008



HISTÓRIA COM OS OLHOS FECHADOS

(cont.)

Pareceu-me a princípio que era uma grande coisa, porque ficava resolvido o problema da sombra, mas depois comecei a preocupar-me: para onde diabo teria ido a minha sombra? Sentei-me, tornei a levantar, ergui os braços, virei a cabeça diante da luz, arrastei a mesa e as cadeiras e ver se a sombra estava por ali, no chão ou em qualquer parte, mas não a encontrei. O Freak acordou e saltou do sofá, maçado com o barulho que eu fazia, e foi dormir para outro lado, e a sombra dele foi atrás dele.

- Devo estar já deitado, pensei eu, a dormir e a sonhar. Devo estar a sonhar com isto, e a sonhar que estou a sonhar com isto.

Já estava cheio de sono, e disse:

- Já estou cheio de sono. Vou deitar-me (se calhar até já estou deitado), amanhã falo com alguém que perceba de sombras.

E fui-me deitar, meio convencido de que estava a sonhar que me ia deitar. Mas quando entrei no quarto dei com a minha sombra, estendida na sombra da minha cama, de costas voltadas, dormindo!

Fiz talvez muito barulho a abrir a porta do quarto (e talvez tenha aberto a boca, ou tenha dito qualquer coisa) porque a sombra acordou:

- Estava com tanto sono, disse-me ela, que vim dormir. Aquelas notícias do jornal dão-me sempre sono. Tu não tens coisas mais engraçadas para ler?

- Às vezes leio coisas mais engraçadas, disse eu. Leio livros, leio poemas, e às vezes vejo televisão ou vou ao cinema…

- Eu sei, eu sei, também tenho ido, respondeu a sombra. De qualquer maneira não gosto de ficar até tão tarde a ler jornais. Não gosto de jornais. E depois tu passas muito depressa as páginas dos anúncios, que é o que eu gosto mais de ler, e as páginas da banda desenhada, e as dos filmes!

- Desculpa, disse eu. Mas as pessoas crescidas lêem sempre aquelas notícias compridas e eu às vezes também as leio para ver se já gosto de as ler, para assim saber logo quando me tornar uma pessoa crescida.

- Está bem, mas de qualquer maneira é aborrecido. E se resolveres tornar-te uma pessoa crescida, vais ter que arranjar outra sombra. Mas agora deixa-me dormir, que eu e tu estamos cheios de sono.

Era uma conversa sem pés nem cabeça. As sombras não falam, nem dão opiniões. Por que é que eu estava a ouvir a opinião da minha sombra?

- Isto é uma conversa sem pés nem cabeça, disse eu. As sombras não falam, nem dão opiniões. Por que é que eu estou a ouvir a tua opinião?

- Essa é boa, disse a sombra. Eu não estou a falar? Falo tanto como tu, ou ainda mais! Nem sei por que é que estou a ouvir-te. Isto é uma conversa sem pés nem cabeça!

Tinha ficado zangadíssima com a minha pergunta, e eu não quis contrariá-la.

- Desculpa, disse eu. Mas não percebo nada de sombras e julgava – palavra de honra que julgava! – que as sombras não falavam e que, como é que eu hei-de dizer?, que andavam atrás das pessoas e não ao contrário, e afinal tu vieste primeiro do que eu dormir…

- Essa é boa, repetiu ela. Não estou a falar contigo? E não vim primeiro do que tu dormir, não foste tu que vieste atrás de mim?

- Desculpa…

Manuel António Pina, A Antologia Diferente /De que são feitos os sonhos

I

1. O narrador sentia-se cada vez mais confuso com o que estava a acontecer naquela sala. Que decidiu então fazer?

2. Quem o esperava no seu quarto?

3. Inicia-se logo um diálogo entre as duas personagens. Qual foi o primeiro tema da conversa? – (Assinalar com um «V» a resposta correcta)

3.1. As leituras aborrecidas das pessoas crescidas.

3.2. A importância de ler jornais.

3.3. A melhor maneira de aprender.

4. O que significa a expressão «conversa sem pés nem cabeça»?

5. Como reagiu a sombra quando o narrador utilizou aquela expressão?

II

  1. Completar os espaços em branco com as palavras adequadas do 1º parágrafo.

1.1. A notícia que o narrador lia era “____________________ cheia de ____________________ e de ____________________”

1.2. “A minha ____________________ na parede pousara a ____________________ do jornal em cima da ____________________ da mesa e estava a recostar-se para trás, na ____________________ da cadeira”.

  1. Transcrever, também do 2º parágrafo, palavras ou expressões repetidas.
  2. Que efeitos provocam no leitor tantas repetições? - (Assinalar com um «V» a resposta correcta)

3.1. excitação

3.2. sonolência

3.3. aborrecimento

3.4. entusiasmo

  1. Indicar um sinónimo de «enfadadíssima».
  2. Em que grau está o adjectivo?
  3. Escrever uma frase em que o mesmo adjectivo esteja no grau comparativo de superioridade.

III

Num texto bem estruturado, com cerca de 10 linhas, dar opinião sobre “A importância de ler jornais”.



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http://www.dgidc.min-edu.pt/inovbasic/biblioteca/jornais/jornais-ler-fazer.doc